segunda-feira, 30 de julho de 2007

“Eu Jogo no Pior Time do Mundo!”

O difícil início do sonho de se tornar um grande jogador de futebol num time que não é tão grande assim




Ser jogador de futebol. Para a maioria dos garotos brasileiros esse é o sonho que alimenta suas infâncias. A prova disso é a quantidade de escolinhas de futebol espalhadas pelo país proporcionando belos lances e outros não tão belos assim, mas sempre enchendo a garotada de sonhos.E esse sonho muitas vezes vem vinculado a outro: Jogar num grande time – de preferência o do coração – e chegar a defender a camisa verde e amarela da seleção brasileira.
O jovem Everton Gomes acaba de realizar, em parte, este sonho. Em parte porque ele acaba de se profissionalizar no concorrido mundo futebolístico, mas o time pelo qual ele alcançou esse sonho não é o que podemos chamar de um grande clube. O Everton é um dos mais jovens jogadores profissionais do Íbis Sport Club, o pior time do mundo.
Mas engana-se quem pensa que o Everton se sente envergonhado ou constrangido por isso. O garoto que cresceu e aprendeu a jogar bola em meio ao violento bairro do Rio Doce em Olinda, esbanja felicidade, satisfação e orgulho por ser jogador do “Pássaro Preto”.
Nascido no município de Paulista, o zagueiro Everton mora num apartamento de classe média com sua família: pai, mãe e dois irmãos. Com dezenove anos ele á o filho mais velho de Murilo Sebastião de Souza e Gersomina Gomes de Souza, as duas pessoas que ele afirma mais amar no mundo. Antes de chegar ao Íbis, Everton participou dos terríveis “peneirões” dos grandes clubes de Pernambuco, chegando a treinar quase quatro meses nas categorias de base do Clube Náutico Capibaribe, mas sendo dispensado ainda sem ter podido mostrar seu futebol.
Apesar de fazer questão que todos saibam que ele é um jogador profissional de futebol, Everton é uma pessoa simples, que gosta do bom e velho feijão com arroz e se diverte ao som de muito samba, hip-hop e forró. Ele diz que detesta a violência que assola o estado e mostra seu lado religioso ao afirmar que Deus é seu maior herói, que seu filme predileto é o épico “Os Dez Mandamentos” e que freqüenta uma igreja evangélica que fica ao lado de sua casa para assistir aos cultos e jogar bola no “campinho da igreja”.

Dedicação
A pesar da difícil realidade dos times que disputam a segunda divisão, a força de vontade dos atletas destes pequenos times surpreende por tamanha dedicação. Com Everton não é diferente. Seus objetivos são claros e ele luta por isso. Mesmo tendo que bancar as passagens que gasta para chegar ao local de treinamento (um campo de várzea em péssimo estado localizado em Jardim Fragoso – Olinda), Everton o faz com a esperança de ter seu esforço reconhecido por um empresário ou um “olheiro” dos grandes clubes do estado e de clubes estrangeiros. A vontade de vencer o faz levar na esportiva as várias invasões de campo por parte de vacas, cavalos e outros animais que ele presenciou no campo de treino do Íbis.
Pode ser que a fama de pior time do mundo, ganha na década de 1970 após 23 partidas sem nenhuma vitória, sempre acompanhe a imagem da “Ave Negra”, mas são times como o Íbis que estão oferecendo a chance tão buscada pelos garotos apaixonados por futebol e dando a eles a possibilidade de um futuro... Um futuro que é tão cheio de esperança quanto de incertezas.


ENTREVISTA:

Qual o seu maior sonho quando era criança? Era jogar futebol?
Para quem gosta é.

Era o Seu...
Ainda é! Começando pelo Íbis.

Qual o sentimento que você tinha a cada “Peneirão” em que não era selecionado?
Um pouco triste. Foi no Sport, Santa Cruz, no Porto de Caruaru e no Náutico, onde passei mais tempo. Mais de quatro meses. O treinador até gostou de mim e iria me inscrever num campeonato no interior, mas teve que assumir o comando dos profissionais e o treinador que entrou em seu lugar cortou muita gente.

E você sente esse sonho realizado mesmo no pior time do mundo?
Sim, por que foi o time que me profissionalizou. Não foi nem o Sport, nem o Santa, nem o Náutico e nem o Porto. Quem me profissionalizou foi o Íbis.

E por isso você se orgulha de defender a camisa do “Pássaro Preto”?
É verdade!

E a partir do momento em que se profissionalizou como jogador quais são seus novos objetivos e sonhos?
É treinar bastante. Ter dedicação para, se Deus Quiser, aparecer outro time para prosseguir.

Você é alvo de brincadeiras por defender a equipe do Íbis?
Muitas!

Que tipo de brincadeiras?
Perguntam onde eu jogo e quando respondo ficam perturbando porque é o pior time do mundo. Mas eu digo, como o professor mesmo diz: “E tu tais jogando onde? Tu não diz que é o rochedo? Tu tais jogando em algum time? Eu pelo menos estou jogando pelo íbis que ta disputando a segunda divisão onde tem muitos empresários olhando e daí pode aparecer as oportunidades e ir para outro time.

Então você não liga para estas gozações?
Não, não! Eu fico rindo.

Você acha que tem potencial para crescer no futebol mesmo jogando no Íbis?
Tenho. Todo mundo tem! Só basta ter personalidade, treinar bem, ter uma alimentação boa, dormir cedo... com isso você vai jogando melhor e aí você com certeza vai subir na carreira.

Como você enxerga a concorrência no mundo futebolista?
É muita concorrência mesmo. No futebol o cara tem que ter sorte e também tem que ter outra coisa: um empresário bom. E tem que filmar os jogos para por num DVD, pois é dessas coisas que um empresário pode dar uma “olhadinha” nos jogadores. É por isso que muitos jogadores desistem. Tem que ter sorte para pegar um empresário e ter sorte quando jogar.

Você está sendo agenciado ou acompanhado por algum empresário?
Não, não... Ainda não.

Mas você já é adepto desta coisa de filmar jogos e por num DVD?
Não, mas o presidente do Íbis disse que vão começar a filmar os jogos.

Além de jogador, que outra profissão você poderia exercer?
Somente Educação Física que está bem interligado. E é da área.

Mas você pretende seguir esta carreira paralela à de jogador?
Pretendo! Já estou estudando e fazendo pré-vestibular. Se não der certo no futebol, faço educação física.

Quanto você recebe para jogar?
Eu não recebo para jogar.

E Onde você encontra forças para continuar lutando pelos seus objetivos e conseguindo forças?
A força vem da própria pessoa e de Deus. Porque você vai treinar e não recebe salário, treina na chuva, num campo ruim... o cara tem que batalhar pra com certeza para buscar forças e ir a diante.

Qual o seu espelho no futebol? Que você admira como jogador?
No geral é Pelé, o rei. Agora, na minha posição é o italiano Maldini.

Geralmente os garotos querem fazer gols, driblar e fazerem jogadas espetaculares. O que te levou a se tornar zagueiro?
Eu era lateral esquerdo. Aí, numa peneira dessas que eu fiz no Sport com o treinador Valter, não tinha zagueiro e eu fui para a posição. Aí eu participei de um campeonato pernambucano aberto infantil onde não levei nenhum cartão amarelo, só não joguei uma partida por contusão, e ainda fiz um gol.

Onde e como você se imagina daqui a cinco anos?
Jogando num time grande daqui e depois indo para a Europa. Quem sabe... Tem muita gente saindo daqui direto para a Europa.

E a dez?
Era bom uma Copa do Mundo.

E sobre a ida de jogadores novos para a Europa, alguns sendo “exportados” até antes de se tornarem profissionais. Como é que você vê esta questão? Você acha isto válido?
Acho normal. Se o cara foi para a Europa é por que tem futebol. Com isso você adquire um futebol diferente do futebol brasileiro. E você adquire e mistura os estilos do futebol de cada país. Quem tem futebol tem que progredir e ir jogar em qualquer time.

Uma coisa que está sendo proporcionada por esta “exportação” de jogadores é a naturalização deles ara jogar nas seleções dos países de onde jogam. Você aceitaria um convite para jogar na seleção de outro país?
No Brasil tem muita gente. Gostaria de passar um bom tempo fora. Se surgisse a oportunidade... Eu acho... Depende. Se eu gostasse muito do país, recebesse bem, fosse tratado como estrela... Acho que sim.

Até agora, qual foi o momento mais difícil de sua carreira?
Momento difícil... Foi o começo. Indo para time de várzea. Podendo chover canivete que tinha treino. Teve treino que o campo não tinha condição e não aparecia nem o barro. Era só lama! E o treinador disse que iria ter treino tático com as mãos. Eu fazia físico na rua, subindo a ladeira, os ônibus passando... É muito difícil, mas com o tempo, você vai lutando e conquistando alguma coisa.

E qual foi o momento mais feliz?
foi quando eu me profissionalizei. Um momento de muita felicidade.

E como foi isso?
Eu tava treinando no Íbis, ainda entrando no grupo. Ia começar a segunda divisão e o treinador chegou para mim e disse que eu iria assinar um contrato para jogar a segunda divisão. E nessa ora eu fiquei muito feliz.

Se você pudesse realizar hoje seu maior sonho como jogador de futebol, qual seria?
Jogar num clube grande; Barcelona, Real Madri, Manchester... É isso.

Israel Leal

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