quarta-feira, 1 de agosto de 2007

Insegurança em Pernambuco

MEDO: A NOVA FORMA DE VIDA DA POPULAÇÃO


Pernambuco é, segundo o mapa da violência IV da UNESCO (Organização das Nações Unidas para a educação, a ciência e a cultura), o vice-campeão brasileiro no quesito violência com 54,5 mortes violentas por grupos de 100 mil habitantes, perdendo apenas para o Rio de Janeiro que tem 56,5. Já a região metropolitana de Recife está em primeiro lugar entre as capitais brasileiras com 90,5 mortes violentas para cada 100 mil habitantes contra 80,2 de Vitória/ES. Só em Olinda, dados da SDS-PE mostram que a cidade tem uma média de 28 assassinatos por mês, 443,6 furtos de carros por ano e 1165 celulares roubados ou furtados por semestre.
Toda essa violência está contribuindo efetivamente para uma mudança silenciosa de comportamento da população. Silenciosa porque o medo de falar e denunciar a submissão da sociedade ao controle dos bandidos é maior do que a vontade de mudar.
Quem já viu casas que ainda preservam os antigos estilos de arquitetura, percebe que os muros são baixos, bem diferente das verdadeiras fortalezas com cercas eletrificadas – que lembram o parque dos dinossauros – encontradas hoje em dia. As portas tinham simplesmente cada uma sua tranca, atualmente quanto mais correntes e cadeados nos portões, aparentemente mais segurança se sente. Sem falar nas calçadas e praças, que há algum tempo atrás, eram palco para as longas conversas entre vizinhos e amigos no cair da noite e hoje se encontram vazias por conta do medo.


As várias faces do medo
No bairro de Rio Doce, em Olinda, os ônibus, após as 20h, estão passando pela Av. das Garças e proximidades, com as luzes apagadas por conta do alto número de assaltos na área. “Há cobradores que preferem descer ruas antes do terminal e seguirem à pé com todo o caixa, para evitarem o perigo!”, falou a cobradora de ônibus Ângela, que não quis dar seu sobrenome. Ela conta ainda que a audácia dos bandidos é tão grande que eles arriscam suas próprias vidas para cometerem seus crimes: “Os ladrões se jogam, armados, às vezes já atirando, na frente dos ônibus para forçarem sua parada”.
Há algumas semanas, as linhas de ônibus que fazem parte do terminal de integração pararam de circular na IV Etapa do bairro, deixando de atender milhares de moradores. Segundo a EMTU, a mudança ocorreu por conta de uma suposta melhoria na linha Rio Doce - Circular, coisa que não aconteceu. Mas, segundo cobradores e motoristas a mudança foi feita mesmo por causa da segurança. Depois de três semanas, os ônibus voltaram a atender a comunidade sem nenhuma justificativa oficial da Empresa Metropolitana de Transportes Urbanos.
O comércio no bairro está prejudicado e alguns estabelecimentos estão à venda ou fechando as portas. Daniel Souza, dono de uma pizzaria no bairro que teve uma TV roubada, reclama do movimento que é muito oscilante dependendo da época: “Se ocorrem assaltos próximo à pizzaria, o movimento cai durante alguns dias...”. O mesmo diz que teve de aprender a conviver com o perigo para que pudesse tocar o negócio para frente.Mas não é só com o Daniel que isso acontece. Nos últimos anos, as pessoas tiveram que se acostumar e se adaptar ao estado de medo. É muito incomum ver alguém circular pelas ruas após as 22h. A enfermeira Marta Simone conta, com uma experiência própria, que é preciso andar com uma quantia qualquer, uma espécie de pedágio, no bolso para evitar um mal maior: “Eu estava numa Kombi que fazia transporte coletivo. O marginal entrou e começou a pegar o dinheiro de todos. O único real que eu tinha na carteira eu já tinha dado ao cobrador. Aí ele me ameaçou e disse que eu nunca mais andasse sem dinheiro no bolso...”.


Descaso
Rio Doce é um dos maiores bairros de Olinda, e tem a violência de uma grande cidade. Mesmo assim, o bairro que por ser tão grande, é dividido em seis, só possui um núcleo de segurança comunitária. Funcionando com três carros e duas motos, mesmo fazendo rondas 24 horas por dia, não consegue conter a crescente criminalidade.
Há cerca de três anos, foi construído um prédio em que, supostamente, funcionaria um segundo núcleo de segurança comunitária no bairro. O prédio, que tem o mesmo formato do núcleo que está funcionando, mas que, porém, é maior, está desativado desde o fim de sua construção. As informações sobre o que acontece com o prédio são desencontradas. Os dois policiais que tomam conta do local, disseram que o prédio, em breve, será uma extensão do Espaço Criança Esperança que funciona no bairro. Mas vizinhos da área afirmam que o local será a nova sede da Delegacia de Rio Doce.


Segurança sim, omissão não
Em 17 de dezembro de 2005, ocorreu um caso raro e trágico de coragem, o médico Antonio Carlos Escobar foi morto ao tentar livrar duas mulheres de um assalto em Boa Viagem. Depois de sua trágica morte, amigos e parentes de Escobar se uniram e criaram o IACE (Instituto Antonio Carlos Escobar), que hoje é composto por um conjunto de entidades representativas da sociedade organizada do Estado de Pernambuco. O grande objetivo desta entidade é ser um instrumento de pressão para mudança e definição de Políticas Públicas de Segurança que cause impacto no problema da criminalidade, da violência e da insegurança no estado de Pernambuco.
Segundo o IACE, a gravidade deste problema se torna ainda maior quando as pessoas, movidas pelo medo, vestem a camisa da omissão e começam a se sentir protegidas pelos criminosos. Para se protegerem, as pessoas não estão combatendo o crime. São raras as denuncias ou qualquer tipo de combate por parte da sociedade, por a mesma não acreditar que existem garantias de que sua segurança será mantida.De acordo com Fátima Cabral, sócia fundadora do IACE, o único modo da população fazer alguma coisa para tentar amenizar esta questão, é partindo para a cobrança (organizada) às autoridades responsáveis. Quando perguntada sobre as pessoas estarem omitindo a realidade de cada bairro por acharem que não serão as próximas vítimas, Fátima respondeu: “Achar que está protegido, omitindo a verdade das autoridades é, além de um grande individualismo, uma grande ilusão”.
Israel Leal

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