segunda-feira, 22 de junho de 2009

Uma denúncia à OIT

Um retrocesso de 100 anos. Os jornalistas profissionais do Brasil enfrentam o mais grave ataque à profissão e à sua organização de trabalho em um século. A decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) retroage em 100 anos. Em 1908, a fundação da Associação Brasileira de Imprensa (ABI) foi o embrião da organização dos jornalistas brasileiros. Um século depois, a decisão do STF representa a destruição da organização dos jornalistas como trabalhadores. Extingue uma categoria de trabalhadores e beneficia sua classe patronal. Se não há uma regulamentação, não há categoria; se não há obrigatoriedade de registro profissional, não há trabalhador; se não há regras para atuação - sequer, éticas - não há profissão. Se todo mundo é jornalista, onde tudo começa e tudo termina?

É necessário que a FENAJ, a CUT - a central sindical a qual somos filiados - e todas as instituições e entidades solidárias aos jornalistas e ao Jornalismo de qualidade e ético denunciem à OIT (Organização Internacional do Trabalho) a violência cometida por um poder do Estado, em sua última instância, a uma categoria profissional de trabalhadores. É preciso, inclusive, questionar a atuação do STF, até mesmo nos foros jurídicos internacionais. A decisão do STF é patronal, na medida em que está livre para atuar deliberando sobre o trabalho e os trabalhadores. Uma moeda de um lado só. Foi extinta sim, e os pronunciamentos do presidente da Casa, Gilmar Mendes, ratificam isso, uma categoria de trabalhadores. Se não há mais necessidade de alguém sequer ir a uma Delegacia do Trabalho (DRT) para obter o seu registro profissional, não há organização do trabalho.

As leis internacionas da organização do trabalho protegem e preservam o direito à liberdade de organização sindical e de regulamentação como categoria profissional. As duas foram seriamente afetadas pela decisão do STF. As declarações do ministro-presidente, Gilmar Mendes, relator do recurso extraordinário contra o diploma, interpretando a decisão do STF, são no sentido de que, a partir de agora, cabe às empresas (aos patrões) a prerrogativa de regulamentar o mercado de trabalho dos jornalistas, definindo os critérios de acesso ao Jornalismo. Passa a ser prerrocativa das empresas a autoregulamentação do setor da comunicação. Isso significa dizer que os empresários é que são detentores, agora, do poder de regulamentar o trabalho, estabelecer as normas de atuação dos jornalistas, dizer quem será ou não jornalista, quem será aceito ou não como jornalista, na medida em que a escolha é exclusiva do patrão, inexistindo parâmetros técnicos ou teóricos, ou seja, o conhecimento como valor.

E agora, o código de ética dos jornalistas serve para quem, se todos são jornalistas? O que valerá é o código de ética das empresas ou o código de cada uma. Ou, o não-código. Que tal, por exemplo, uma empresa estabelecer como um dos critérios de contratação a obrigatoriedade do profissional captar anúncios para a mesma. Sabe-se que essa prática não é novidade em algumas empresas de comunicação, inclusive por pessoas que atuam na área. É possível acreditar no Jornalismo que vier a fazer empresas assim?

A decisão do STF mexe em uma questão trabalhista. Liquidou uma regulamentação de trabalhadores. Aboliu uma categoria, uma profissão. Uma decisão econômica (pelo benefício gerado)que destrói uma legislação trabalhista. O Supremo extrapolou ao utilizar o seu poder supremo e definir uma questão sem levar em conta todos os argumentos em contrário, beneficiando um dos lados interessados, exatamente o econômico. Qualquer outra argumentação que fosse feita, seria desconsiderada.

Se a legislação dos jornalistas era um entulho autoritário, como argumentaram a maioria dos ministros, o que se pode dizer das demais legislações trabalhistas que, por ventura, sejam do período militar de 64, inclusive na área do Direito. Nesse entender, também o são. E também o são inconstitucionais.

Se, a partir de agora, segundo interpreta Gilmar Mendes a decisão do STF, qualquer cidadão pode exercer a profissão, mesmo que não tenha escolaridade, e sequer precise ir a uma delegacia do Ministério do Trabalho para tirar o registro profissional, estamos diante de um fato inusitado, sem precedentes na história do trabalho: são 180 milhões de jornalistas no Brasil. É toda a população que pode atuar sem parâmetros legais. Não há mais limites para a categoria: onde ela começa, onde ela termina? Agora, quem poderá responder sobre isso são os patrões: afinal, o STF transferiu exclusivamente para eles o poder de definir critérios de acesso ao mercado de trabalho.

A violência é tamanha que deixa em segundo plano de indignação a agressão verbal do ministro-presidente Gilmar Mendes aos jornalistas. Fruto, talvez, de uma descuidada cultura jurídica e de uma restrita cultura humana, o ministro atingiu, grosseiramente, a dignidade da profissão e dos jornalistas. O objetivo foi humilhar e atingir a auto-estima desses trabalhadores. "Um excelente chefe-de-cozinha poderá ser formado numa faculdade de culinária, o que não legitima estarmos a exigir que toda e qualquer refeição seja feita por profissional registrado mediante diploma de curso superior nessa área", justificou seu posicionamento o ministro-presidente. A comparação não nos ofende, mas sim o desprezo nos dois casos. É verdade, também, que a liberdade de expressão nos permite interpretar que um excelente chefe-de-cozinha pode fazer uma sopa de palavras melhor do que a que foi feita.

O dano à profissão e à sociedade é imensurável. O que é certo é que uma categoria de trabalhadores foi extinta: afinal, se não há regulamentação profisional, não há categoria. A organização e a representação sindical dos jornalistas estão ameaçadas. De imediato, fragilizadas. Essa situação dos, jornalistas brasileiros, estudantes e professores de Jornalismo exige de nós o redobramento de esforços para salvar os objetivos de 1908.

Ayrton Maciel
Presidente do Sindicato dos Jornalistas Profissionais de Pernambuco (SinjoPE)

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