quarta-feira, 21 de março de 2007

A Arte da Tatuagem

A Arte da Tatuagem

Segundo o romancista francês Michael Tournier, “Uma tatuagem é um amuleto permanente, uma jóia viva que não pode ser retirado”. Ao contrario do que muitos pensam, a tatuagem não é uma forma modernista de expressão artística, mas é uma prática primitiva, tão antiga quanto a própria Humanidade.

HISTÓRIA

Em “A descendência do homem”, livro de 1871, Charles Darwin afirmou que do pólo norte à Nova Zelândia, não havia aborígine que não se tatuasse. Isso por que não está definida uma única origem para a tatuagem. Ela foi inventada várias vezes, em diferentes momentos e partes da Terra, com maior ou menor variação de propósitos, técnicas e resultados.
Esse conceito de multinascimento da tatuagem é explicado por alguns estudiosos como um fenômeno decorrente das grandes migrações dos povos antigos e que, por isso, passou de um povo para outro.
Em 1991, foi encontrada uma múmia na Itália que data de 5.300 a.C.. Esta, que é a múmia mais antiga já encontrada, estava conservada dentro de um bloco de gelo e tinha imagens distribuídas pelas suas costas. Além disso, ela possuía uma cruz numa de suas coxas e desenhos tribais por toda a perna.
Registros pré-históricos mostram vestígios de povos que costumavam cobrir seus corpos com desenhos, desenhos de figuras humanas com pinturas em seu corpo e estatuetas humanas cobertas por imagens.
Na cultura das primeiras civilizações, as marcas involuntárias deixadas por batalhas e lutas eram consideradas “marcas de coragem” para quem as possuíssem. Os homens começaram a se ferirem voluntariamente para conseguirem esse status de vencedor no meio de um grupo. Com o passar do tempo essas grandes cicatrizes deram espaço a desenhos feitos por tintas vegetas se utilizando de espinhos para introduzi-las. A partir daí diversos povos começaram a se usar pinturas definitivas por motivos espirituais, para guerrear e para marcar os momentos da vida biológica: nascimento, puberdade, reprodução e morte.
Heródoto, o “pai da história” cita em um de seus manuscritos, a existência de um povo muito antigo do norte europeu que tinha o costume de fazer de pinturas permanentes nos corpos. Eram denominados “Pictus”, por esse costume. Eles não se tatuavam por vaidade, mas pela crença de que seriam identificados no além-morte por seus antepassados. Outros povos como os nativos da Polinésia, Filipinas, Indonésia e Nova Zelândia (maori), os Celtas e Vikings, os dinamarqueses, os normandos e os saxões também desenvolveram seu próprio estilo de tatuagens.
Hoje em dia, a tatuagem se popularizou e é usada pelos mais variados fins. Diariamente, milhares de pessoas de todas as idades entram em stúdios, afim de marcar o corpo com nomes de entes queridos, símbolos de grupos ou instituições ou apenas, com o intuito vaidoso de fazer do próprio corpo um grande mural artístico.
A moderna revolução da tatuagem começou no final do século XIX, quando o correu uma verdadeira febre por tattoos na Inglaterra, graças ao costume dos marinheiros britânicos. Até mesmo o rei Edward VII tatuava o corpo com freqüência, tendo deixado explícito, antes de morrer, o desejo de que os seus filhos também fossem tatuados. No início da sua vida, o filho de Edward, o rei George VII, ordenou a seu tutor que o levasse a um estúdio no Japão, para ser tatuado pelo mestre Chiyo, a maior autoridade local.
Desde lá a alta sociedade, preconceituosamente, já costumava associar o uso da tatuagem com o consumo e a venda de drogas, a criminalidade e à homossexualidade.

UMA VISÃO SOCIOLÓGICA

É muito difícil passar um dia se quer sem notar pessoas que decoram seus corpos. Segundo pesquisadores, o movimento atual dos tatuados, que surgiu nos anos 70 e ganhou força durante os anos 90, nada tem a ver com as práticas históricas e exóticas que se desenvolvem desde as primícias da história. Antes, os motivos eram religiosos, cerimoniais ou de firmação e identificação em um grupo. Já nos dias de hoje o gosto pela tatuagem é atribuído à vontade de embelezar o corpo, as mudanças de fases da vida e à rebeldia.
Segundo o psicólogo francês Jean-Luc Sudres, a tatuagem “é uma espécie de vestimenta que não é retirada. A ela se misturam a sedução, a provocação, a parte de estima por is mesmo é o sinal de uma vinculação social”.
Este ato, na maioria das vezes, está ligado a acontecimentos da vida, sejam eles bons ou maus, variando de sucessos a perdas. Nos jovens e adolescentes, um dos motivos que os levam a se tatuar é o da busca por sua originalidade unida com o desejo submissão ao modismo típico da idade. A vontade de ser “dono do seu próprio nariz”, leva muitos jovens aos estúdios para “gritar a sua independência” marcando seus corpos para sempre. Problemas são criados quando essa atitude é tomada por impulso e acaba virando arrependimento. Como é de conhecimento público, a remoção de uma tatuagem só é possível com um tratamento longo e caro. “As pessoas que se fazem tatuar não parecem estar preocupadas com o que acontecerá com o passar do tempo, com o envelhecimento da pele. Aliás, não existe nenhuma pesquisa sobre esta questão”, comenta Jean-Luc Sudres.
A escolha da imagem a ser gravada tem um caráter muito peculiar. Os psicanalistas dizem que a pele exerce um papel especial na mente. Para Freud, isso se trata de uma projeção do ego. Segundo a psiquiatra infantil e psicanalista Nicole Péricone, “talvez isso corresponda também ao fato de que a palavra perdeu seu lugar no campo da comunicação. Quando as pessoas optam por se fazer gravar um desenho na pele, é porque elas precisam complementar alguma coisa para então passar ao outro”, identificando assim, um desenvolvimento narcisista.

A REVOLUÇÃO DO CORPO*

O culto ao corpo é uma das características mais marcantes da sociedade contemporânea. Nessa socialização insere-se a modelagem dos corpos pelas normas, representações culturais e simbólicas próprias de cada sociedade. Nesse sentido, o corpo se torna o laço da interação entre o indivíduo e o grupo, a natureza e a cultura, a coersão e a liberdade.
Em seu trabalho As Técnicas Corporais, Marcel Mauss evidencia que toda a sociedade, em qualquer tempo e em qualquer lugar, sempre desenvolveu modos eficazes e tradicionais de se trabalhar o corpo do ser humano. Desde a educação do sentido até às técnicas simbólicas, o corpo sempre foi alvo de manipulações físicas e simbólicas no interior das sociedades.
O corpo não se revela apenas enquanto componente de elementos orgânicos, mas também enquanto fato, social, psicológico, cultural, religioso. Está dentro da vida cotidiana, nas relações de produção e troca, é um meio de comunicação, pois através de signos ligados à imagem, gestos, roupas, instituições as quais pertencemos permite nossa comunicação com o outro. O corpo é um lugar que institui idéias, emoções e linguagens, sendo uma interação sensório-motora dos sentidos à ação.
No período renascentista, a concepção de corpo, difere dos períodos anteriores, pois começa a haver preocupação com a liberdade do ser humano. Acontece a redescoberta do corpo, principalmente, no que diz respeito às artes onde o corpo nu aparece como destaque por pintores como Michelangelo, Da Vinci, entre outros.
Estamos assistindo neste inicio de século XXI, especialmente nos grandes centros urbanos brasileiros, a uma crescente glorificação do corpo, sua exibição pública é cada vez maior, deixando transparecer o que antes era escondido e mais controlado. Para Mirian Goldenberg & Marcelo S. Ramos, em Nu e Vestido, as regras da atual exposição dos corpos, parecem ser fundamentalmente estéticas, sendo que, para atingir a forma ideal e expor o corpo sem constrangimentos, é necessário investir na força de vontade e na autodisciplina.
“O corpo está a serviço, portanto, da produção que o domina, utilizando-se da ilusão de fazê-lo belo e forte”, aponta Nísia M. Rosário em Mundo Contemporâneo: Corpo em Metamorfose. Novas formas de pensar o corpo têm sido reinventadas constantemente, num processo que vem alterando significativamente a relação que os indivíduos têm com seu corpo.
De acordo com Tabu do Corpo, de José Carlos Rodrigues, cada cultura “modela” ou “fabrica” à sua maneira, um corpo humano. Cada sociedade imprime, no corpo físico, transformações, pelas quais o cultural se inscreve e grava sobre o biológico; arranhado, perfurando, queimando a pele. Inscrevem nos corpos cicatrizes-signos, que são verdadeiras obras artísticas ou indicadores rituais de posição social: mutilação da orelha, corte ou distensão do lóbulo, perfuração do septo, dos lábios, das faces, amputação das unhas, alongamento do pescoço, apontamento ou extração dos dentes, atrofiamento dos membros, musculação, obesidade ou magreza obrigatória, bronzeamento ou clareamento da pele, barbeamento, cortes de cabelo, penteados, pinturas, tatuagens..., práticas que tentam ser explicadas, por razões sociais, de ordem ritual ou estética.
Hoje se vive a revolução do corpo, valores relativos à beleza, saúde, higiene, lazer, alimentação, atividades físicas tem reorientado um conjunto de comportamentos na sociedade, criando um novo estilo de vida, mais livre, narcísico e hedonista.
O corpo ocidental encontra-se em plena metamorfose. Não se trata mais de aceita-lo como ele é, mas sim de corrigi-lo, transforma-lo e reconstruí-lo. O individuo busca em seu corpo uma verdade sobre si mesmo que a sociedade não consegue mais lhe proporcionar.
Esse contexto social e histórico particularmente instáveis e mutantes, no qual os meios tradicionais de produção de identidade, tais como a família, a religião, a política, o trabalho, se encontram enfraquecidos, impulsiona pessoas a se apropriarem cada vez mais do corpo como um meio de expressão (ou representação) do eu.
Pode-se citar atualmente, como apropriação exagerada do corpo, à difundida ideologia do body building, ou, simplesmente, “cultura da malhação”, que se fundamenta na concepção da beleza e forma física como produtos de um trabalho de um individuo sobre seu corpo, assim como a body art e a body modification, que utilizam técnicas que vão de tatuagem, passando pelos piercings e podendo chegar a outras mais extremas, como marcas a ferro quente, talhos de navalhas e gravações com bisturi incandescente.
A mídia, de acordo com Goldemberg & Ramos (2002), apresenta o corpo como um objeto a ser reconstruído, seja em seus contornos ou em gênero. Através de mecanismos de incorporação de estereótipos corporais, o corpo torna-se uma superfície virtual, um terreno onde são cultivadas as identidades sexuais e sociais. Saturado de estereótipos, ele aparece como um quadro inacabado e transforma-se em imagem do corpo, torna-se assim um objeto de autoplastia.


*Texto retirado e adaptado do trabalho “Corpos em Metamorfose: Um Breve olhar Sobre os corpos na História, e Novas Configurações de Corpos na Atualidade”, de Maria Cristina Chimelo Pain, professora da ULBRA – RS.
Artigo Publicado na Revista Arte Sensu, n° 05 - Novembro de 2006

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